Se buscarmos na internet os termos “Maracatu-Nação” ou “Baque Virado”, ou apenas “Maracatu”, encontraremos milhares de resultados, que mostram a quantidade de pessoas que escrevem, leem, pesquisam, praticam e vivem o Maracatu nos dias de hoje. O Maracatu já está na rede, conectado por redes sociais, sites, CDs e DVDs.
Mas o que realmente conhecemos sobre essa manifestação secular brasileira?
O texto a seguir está em constante atualização, contribua também!
Breve História do Maracatu-Nação:
O Maracatu de Baque Virado ou Maracatu Nação é uma manifestação da cultura popular brasileira, afrodescendente. Surgiu durante o período escravocrata, provavelmente entre os séculos XVII e XVIII, onde hoje é o Estado de Pernambuco, principalmente nas cidades de Recife, Olinda e Igarassu (que, antigamente, abrangia também o que hoje são os municípios de Itapissuma, Abreu e Lima e Itamaracá). Como a maioria das manifestações populares do país, é uma mistura de culturas ameríndias, africanas e europeias.
Apesar de existirem muitas visões, histórias e hipóteses diferentes, a explicação mais difundida entre os estudiosos acerca da origem do Maracatu Nação é a de que ele teria surgido a partir das coroações e autos do Rei do Congo, prática implantada no Brasil supostamente pelos colonizadores portugueses e, por consequência, permitida pelos senhores de escravos.
Os eleitos como Rainhas e Reis do Congo eram lideranças políticas entre os cativos: intermediários entre o poder do Estado Colonial e as mulheres e homens de origem africana. Destas organizações teriam surgido muitas manifestações culturais populares que passaram a realizar encontros e rituais em torno dessas representações sociais originando manifestações populares como Maracatu de Baque Virado, que também estabeleceu ao longo dos anos em diversos “agrupamentos” uma forte ligação com a religiosidade do Candomblé ou Xangô Pernanbucano.
Com a abolição da escravatura no Brasil, no fim do século XVIII, o Maracatu passou gradualmente a ser caracterizado como um fenômeno típico dos carnavais recifenses, como ocorreu com o Frevo e outras práticas populares brasileiras.
Após um intenso processo de decadência dos maracatus de Recife durante quase todo o século XX, ocorreu nos anos 1990 o que podemos chamar de “Boom do Maracatu”.
A prática ancestral adquiriu uma notoriedade que nunca havia conquistado antes, resultado, entre outras coisas, da ação do Movimento Negro Unificado (MNU) junto a Nação Leão Coroado, (uma das nações mais tradicionais de Recife), do movimento Mangue Beat (que tem como principais expoentes Chico Science e o grupo Nação Zumbi, a Banda Mestre Ambrósio, entre outros), e do grupo Nação Pernambuco (uma de suas principais marcas foi ter separado a dimensão da música e da dança do Maracatu de sua dimensão religiosa).
Nesse contexto o Maracatu de Baque Virado saiu de seu palco principal que é a cidade de Recife e chegou a diversos lugares do país e do mundo. Atualmente existem grupos percussivos que trabalham com elementos da Cultura do Maracatu Nação em quase todos os estados brasileiros e em diversos países como Canadá, Inglaterra, França, Estados Unidos da América, Japão, Escócia, Alemanha, Espanha, entre outros.
Um Outro Olhar:
“Eram típicos no carnaval de antigamente. Típicos, numerosos, importantes, suntuosos. No meio do vozerio da mascarada, dominando as marchas dos cordões, ouvia-se ainda longe o rumor constante, uniforme, monótono dos atabaques:
Bum…bum…bum…bum…
Bum…bum…bum…bum…
Era um maracatu. Havia os que gostavam dele e esperavam-no com curiosidade. Havia os que protestavam contra a revivescência africana e resmungavam.
Bum…bum…bum…bum…
No fim da rua, por cima do povo, surdia o grande chapéu de sol vermelho, rodando, oscilando, curvando-se. E o batuque cada vez mais perto, mais perto. Dali a pouco desfilava o cortejo real dos negros. Vinha o rico estandarte com cores vivas e bordados a ouro. Seguiam-se as alas de mulheres ostentando turbantes, saias bem rodadas, corpetes enfeitados de vidrilhos. Traziam fetiches religiosos nas mãos. Depois o Rei e a Rainha, em trajes majestosos, debaixo da ampla umbela de seda encarnada com franjas douradas. Empunhavam os cetros, vestiam longos mantos, e tinham cabeças coroadas. Na retaguarda do préstito, os atabaques, as marimbas, os congás, os pandeiros, as buzinas… As canções que todos entoavam eram ordinariamente nostálgicas, como uma ancestral saudade da terra de berço, ficada tão distante. Costumavam também cantar assim:
Bravos, Ioio! Maracatu Já chegou.
Bravos, Iaia! Maracatu vai passar.
Uma das mulheres empunhava uma grande boneca de pano toda engalanada de fitas, e repetia numa toada dolente:
A boneca é de seda…
A boneca é de seda…
Os maracatus paravam em frente às casas dos protetores e ali dançavam durante alguns minutos. Antigamente licenciavam-se dezenas deles e apresentavam-se com verdadeiro luxo. Nas sedes havia demoradas festas, com danças e batuques, a que assistiam os soberanos sob um docel de veludo. Todos os negros da costa, tão comuns no Recife de ontem, aqueles mesmos que se reuniam , também, religiosamente, na Igreja do Rosário, lá se achavam para tomar parte no toques. O maracatu hoje escasseia e já não tem mais o esplendor de antes. Em menino eu tinha medo dos maracatus. Medo e como uma espécie de piedade intraduzível. Aqueles passos de dança, aqueles trajes esquisitos, aqueles cantos dolentes, me davam uma agonia…Eu me encolhia todo, juntando-me à saia de chita de minha mãe preta, com receio talvez de que os negros do maracatu a levassem também. E eu não sabia ainda ser o maracatu uma saudade…Hoje é que a compreendo, que a sinto, recordando os maracatus de minha infância e de minha terra, vendo os carnavais de outras cidades e de outra época… Parece-me perceber ainda o batuque longínquo, cada vez mais remoto, cada vez mais indeciso, quando, na alta noite da terça-feira, no silêncio e na tristeza do Carnaval acabado, o derradeiro maracatu se recolhia à sede…
Bum…bum…bum…bum…
Bum…bum…bum…bum…
E lá se ia, como se foi, o meu maracatu de menino…”
* trecho de “Maxombas e Maracatus” – Mário Sette, 1958